terça-feira, 22 de janeiro de 2008
E limpou?
A publicidade jamais encontrou tamanha resistência como em São Paulo. A Lei Cidade Limpa assume contornos nítidos de censura, enquanto o prefeito Gilberto Kassab argumenta que é para o bem-estar estético e cultural da cidade, proteção de um patrimônio maculado pela propaganda.
O prefeito justifica que 90% da publicidade exterior paulistana é ilegal, e que o setor é responsável pela poluição visual da cidade. Entretanto, esta última afirmação não é baseada em pesquisas, como naturalmente o leitor imagina. A verdade é que Kassab põe em prática uma lei absurdamente autoritária para combater o que ele mesmo julga ser poluição visual.
De fato, a ideologia anti-propaganda é muito mais comum do que se imagina. E é esta que dá respaldo à lei, tanto que sua aprovação aconteceu na primeira votação, com 38 votos a favor e 5 contra. Chega até a parecer que este é o problema mais grave que nos assola.
Como Contardo Calligaris pertinentemente argumenta, a iniciativa é sustentada pela antipatia pela publicidade e enxerga no outdoor a essência do consumo de massa. Segundo ele, “a lei nos agrada com a ilusão de que exorcisamos, enfim, o consumismo”.
É importante ter em mente as proporções da lei para que se possa formar opinião acerca do seu real objetivo. Kassab afirmou inicialmente que era necessária a proibição, para que aos poucos fossem analisados e permitidos caso a caso, como uma Arca de Noé da propaganda. Disse até mesmo que São Paulo teria sua própria Times Square. Mas não se ele puder impedir, faltou mencionar. Voltando, se vc ainda pensa que a lei se resume a proibir outdoors, tente outra vez.
Outdoors não estão sozinhos. Também estão proibidos painéis, empenas, propagandas em táxis, ônibus, bicicletas, dirigíveis e aviões. Aliás, lembra-se disto?
Adesivo da sua faculdade ou da concessionária no vidro do carro ou no tanque da moto: proibido. R$10 mil de multa.
Pôster do seu filme favorito pregado na parede, ou de qualquer coisa que possa ser considerada propaganda: se a 1m da janela e puder ser visto da rua, proibido. R$10 mil de multa.
Relógios em topo de prédios com patrocinador, proibidos.
Anúncios indicativos com mais de 1x1,5m para fachadas com menos de 10m, e com mais de 2x2m para fachadas de até 100m estão proibidos. Ou seja, praticamente todo o comércio precisa mudar sua fachada.
Destaques para liquidações, ofertas e afins, proibidos. Indicação de preços em vitrines, proibida. Imagens ampliadas de produtos nas vitrines, também proibidas.
Carro da pamonha e derivados, obviamente proibidos.
Ou seja, comunicar que sua loja existe na sua rua, no seu bairro, torna-se impossível. Resumindo, freqüenta sua loja somente o consumidor habitual. Mas é claro que vc ainda pode recorrer ao rádio, ao jornal, à TV. Não importa se a cobertura destes é muito maior do que sua necessidade. Muito menos se o preço também é fora de mão. Isso sem entrar na discussão dos mais de 20 mil desempregados diretamente pela lei, ou dos R$55 milhões recolhidos em multas.
Propaganda em ponto de ônibus e em mobiliário urbano era permitida, certo? Pois não mais. E de que modo esse tipo de publicidade interfere no bem-estar estético da cidade? Pelo contrário, a propaganda nestes locais colabora com a manutenção dos mesmos, e mais, auxiliam na iluminação da cidade, que se mostra insuficiente apenas com postes de rua, que sofrem de fraca manutenção. Alguém pagará pela manutenção de todos estes pontos?
Teatros e cinemas também têm somente 10% de sua fachada disponível para a divulgação de sua programação, que, como todos sabem, muda continuamente. Vale sempre lembrar que a lei visa nosso bem-estar cultural.
A distribuição de qualquer material que contenha publicidade, como folhetos, panfletos, flyers, está proibida.
A quantidade de publicidade presente em jornais gratuitos, como Destak e Metro, também foi limitada. Não importa se essa quantidade é suficiente ou não para que os jornais continuem em veiculação. Então a lei não se restringe mais à mídia exterior e somente agora fomos avisados?
Não me prenderei ao debate de exemplos de regulação da publicidade, no combate à poluição visual, vistos mundo afora. Apenas cito a diferença do período de adequação entre Barcelona e São Paulo: enquanto, na metrópole espanhola, o período foi de dez anos, na capital paulista foi de três meses.
A lista acima já é mais do que suficiente para se concluir que a Lei Cidade Limpa não regula absolutamente nada, e sim proíbe. Além de não fazer nada a respeito do que realmente merece atenção, como pichações, moradores de rua, exploração de menores, vendedores no semáforo, etc.
Ah, e se vc pensou que ao menos a lei nos livraria da propaganda eleitoral ao ar livre, errou de novo. É permitida.
Fontes: lafora.com.br, brainstorm9.com.br, cartacapital.com.br e cidadelimpa.blig.ig.com.br
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